Medusas que me lêem agora ...

sábado, 4 de agosto de 2007

O mar que traz a cegueira


Levanto-me bem cedo, não como e não consigo dormir, fumo um cigarro enquanto tomo café. O dia começa a nascer o sol levanta-se por cima do mar, fica um brilho rasgado na água, olho fixamente para ela até me cegar, os olhos enchem-se de lágrimas, não consigo ver nada, baixo lentamente a cabeça para repor a vista e reparo que não consigo ver nada, choro compulsivamente. Aconteceu uma desgraça estou só na praia, é manhãzinha e ninguém me pode acudir, apanho a minha carteira e tento orientar-me pelo último registo da minha memória, o caminho de volta para casa.
Tento não dar nas vistas com a minha cegueira, mas devo de ter cruzado com um casal que se dirigiu a mim e perguntou-me se queria ajuda, não pude recusar porque o precisava, mas como é que eles deram por isso?
Dei indicações da minha casa, eles levaram-me até lá, tocaram à campainha e a minha mãe veio abrir, eu chorava que nem uma alma perdida, expliquei à minha mãe o que me aconteceu, ela começa a soltar lágrimas, não queria que eu desse por isso mas senti. Levaram-me ao médico e ele disse que não podia fazer nada. Minha mãe começa aos gritos com ele, o meu pai entrou em estado de choque, parecia que tudo tinha parado no tempo, fiquei sentada na cadeira do consultório a ouvir tudo aquilo, o meu pai só me apertava a mão e minha mãe histérica agarrou-se a mim e deu-me um forte abraço, chorei, chorei muito.
No dia seguinte pedi aos meus pais que me levassem de madrugada à praia, senti o sol a nascer, mas não senti o rasgão na água como quando o via, agarrei nos meus pais e dei-lhes um forte abraço eles choravam desalmadamente, levantei-me da areia e pus-me a dançar e a rir, dei voltas e voltas na areia, toquei na água e senti um arrepio, vinha das profundezas do oceano era como se tivesse a chamar-me para ir nadar. Meus pais estavam ali sentados a ver-me o quanto estava feliz, apesar da desgraça. Tinha o fato de banho vestido, despi a roupa que trazia e mergulhei no mar, nadei e nadei queria apanhar o sol para me devolver a visão.
Os meus pais começaram a ficar preocupados e chamavam-me, mas eu não os ouvia e continuei a nadar, a minha mãe não sabe nadar e começa a entrar em pânico o meu pai deita-se ao mar para ir ao meu encontro, mas nada me fazia parar, meu pai cansado parou e voltou atrás e eu continuei até me perderem de vista.
Minha mãe estava completamente banhada em lágrimas, meu pai estoirado de cansaço, ficou com os olhos esbugalhados com medo de me perder de vista, foi uma cena horripilante, e eu desapareci naquelas águas, que tanto me fazia sentir bem.
Vagueio pelo oceano alegremente como se nada fosse comigo, parei, tive que parar porque estava a ficar com frio e quando dei por mim, lembrei-me que estava cega, que não podia voltar para trás, não via nada, não sabia onde estava, entrei em pânico e comecei a desfalecer com a fraqueza, deixei-me ir, fui caindo mar dentro, embati numa rocha onde permaneci algum tempo.
Cá em cima os meus pais andavam loucos, contactaram logo os salva-vidas para irem à minha procura, meu pai deu mais ou menos o local onde tinha desaparecido, foram a alta velocidade para o local. O meu pai acompanhou-os, a minha mãe ficou em terra e eu lá em baixo sem sentidos, mas conseguia ouvir o motor do barco, sentia que andavam às voltas mas no mesmo sitio, as minhas forças não me deixavam nadar para cima, então esperei que viessem buscar-me.
Os salva-vidas mergulharam nas profundezas do oceano, procuraram-me por todo o lado, sentia-os a passarem ao lado, queria gritar mas não conseguia, queria mexer um braço mas não tinha forças, foram várias vezes à superfície dizer: “nada feito”, meu pai não se conformava com o que diziam, mandou-se ao mar pôs a máscara de oxigénio e lá foi ele. Reconheceu-me pelo fato de banho, nadou, nadou até chegar ao pé de mim, pegou-me ao colo e trouxe-me para cima, ele estava histérico, não cabia com tanta felicidade, abraçou-me tanto mas tanto que senti o coração dele a bater vezes sem fim.
Trouxeram-me para terra onde já estava uma ambulância à espera, arrancaram, meteram os pirilampos, ligaram as buzinas e lá fomos nós a alta velocidade, os meus pais sempre a acompanhar-me, minha mãe inconsolável, meu pai com um sorriso de orelha a orelha orgulhoso de si próprio por conseguir encontrar-me.
Chegamos ao hospital entro de urgências para uma sala de operações, os meus pais esperam notícias na sala de espera, fizeram reanimação cárdio-respiratória, fiquei segundos sem respirar, ouve um momento de suspense e comecei a cuspir a água que tinha engolido, o médico sai, vai até à sala onde se encontravam os meus pais e dá-lhes a noticia de que eu voltei a respirar, foi um alivio para eles, abraçaram-se um ao outro e começaram a chorar.
Entretanto, fui para um quarto, estava ligada às máquinas o meu coração estava fraquinho precisava que o ajudassem a voltar ao seu estado normal. Estava a dormitar, quando os meus pais apareceram, acordo e sinto o calor deles, ali estavam eles a admirar-me, os dois coladinhos um no outro a chorar e ao mesmo tempo soltavam um brilho no sorriso por eu estar viva.
Ao fim de algum tempo recuperei da fraqueza, mas da cegueira não, meus pais pediram ao médico que fosse para um dos melhores hospitais do país, ele respondeu que só podia fazer aquela operação no estrangeiro, mais propriamente em Londres. Meus pais começaram logo a tratar dos papéis para ir o mais rápido possível.
Passado uma semana, estávamos no avião, chegámos a Londres, tinha uma ambulância à espera, levou-nos para o melhor hospital, entrei novamente de urgência e fui direitinha para o bloco operatório, já tinha os médicos todos prontos para a fazer, começou, deram-me a anestesia e... .
Novamente num quarto, lá estavam os meus pais sentados, à espera que acordasse para saber como me estava a sentir, comecei aos gritos pois eram dores insuportáveis, eles entram em pânico, pois não sabem falar inglês e não sabiam o que fazer, tocaram à campainha, veio uma enfermeira, olhou para mim, estava toda torcida e com as mãos nos olhos, gritava e tornava a gritar, estava a doer muito. Apareceram os médicos deram-me um analgésico para me acalmar, fiquei mais calma.
Chamei pelos meus pais, estendi a minha mão para os poder sentir e reconfortar-me neles.
Assim passou um mês, foi o limite máximo que os médicos deram para a recuperação da visão.
Voltámos novamente para Portugal, para a nossa casa, andava de olhos tapados, pois não podia, por enquanto, ver a luz do sol e à noite podia tirar as compressas. No dia em que chegámos à noite, tirei as compressas, meus pais olharam para mim, até se arrepiaram, pareciam estar a ver um filme de terror, ficaram estáticos e em estado de choque, pois não podiam acreditar no que estavam a ver, dirigi-me à casa de banho para me olhar nos olhos e entrei em pânico, mas não podia chorar, via tudo muito fosco com pouca definição mas via, então, comecei a rir de mim própria, não sei se de felicidade se de parecer um monstro, horrível.
Fui para a sala, ter com os meus pais, olhei-os nos olhos e abracei-os, estava eufórica, já via. Dei-lhes a notícia, que estava a vê-los, foi a loucura em casa.
Com isto tudo, foram 2 meses em sofrimento, passei pelas piores situações da minha vida, hoje estou aqui a escrever minha história no computador, tudo não passou de um sonho acordado da minha imaginação irrealista.

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